Divulgações
"Um fio de Esperança", conto de terror da autora Raquel Machado na integra.
segunda-feira, junho 08, 2015Um fio de esperança
Por Raquel Machado
Acordo com as batidas incessantes na porta. É noite ou dia? Não que isso tenha
Levanto de mau grado e arrasto-me até a entrada da pequena casa. Abro a porta
pronta para xingar quem quer que seja, porém nada consigo ver. Uma rajada de vento
me atinge, o que me faz sentir um calafrio repentino, a chuva se aproxima.
Decido procurar alguma coisa para comer. Entro em casa e abro os armários,
porém eles estão vazios. Tão vazios como minha própria alma. Ao fundo avisto um
pacote de bolacha, que vai servir.
Sento na mesa e vejo um inseto correndo sobre ela. Não é exatamente uma
barata nem tampouco um besouro, parece algo dos dois. Bicho nojento. Mato-o sem dó.
Abro o pacote de bolacha e vou mordê-la, quando vejo o mesmo bicho. Este
parece encarar-me nos olhos. Fico hipnotizada por aquele pequeno ser de oito patas.
Engulo a bolacha junto com o bicho que me atormenta. Porém, a náusea me atinge.
Vou até o banheiro e vejo meu reflexo no espelho. Eu ainda sou a garota mais
bonita do mundo. Começo a escovar meus cabelos, porém percebo que eles estão caindo
em grandes tufos, uma praga da doença que me aflige.
Ligo a torneira e, ao lavar minhas mãos, percebo algo estranho. Pedaços de pele
começam a se desprender. Minha linda pele clara não existe mais, em seu lugar vejo
somente os músculos do ser imperfeito que eu sou.
Grito desesperada. As luzes se apagam e um silêncio preenche o ambiente.
Tento aguçar minha audição, e escuto meu próprio grito, que parece ecoar pela casa.
Corro para sala tentando me esconder, porém sinto meus pés pesados. O tapete
da sala parece areia movediça. Arrasto-me com dificuldade até um canto e sento. Tinha
escutado histórias sobre pessoas com doenças terminais. Elas costumavam ver e ouvir
coisas, então talvez seja tudo parte de minha imaginação.
Acordo dos meus pensamentos ao sentir pingos de chuva caírem sobre minha
cabeça. Maldita casa, terrível, urbana. Sinto que a água não é límpida, mas sim
vermelha, e sua consistência é diferente, parece sangue. O sangue de todos que
Corro para a porta, mas não consigo encontrá-la. Estou trancada a mercê dos
mortos que vêm me buscar, cobrando por meus pecados. O sangue sobe pelos meus pés,
ao mesmo tempo, que escuto o choro das almas sofredoras.
É o meu fim. Sinto-me afogar, o ar saindo dos pulmões. Já coberta por aquela
corrente sanguínea, abro os olhos e vejo uma criança. Instintivamente a reconheço,
aqueles olhos da época em que minha inocência era pura. Ela estende sua mão e tento
com muito esforço pegá-la, mas já não tenho forças. Nos entreolhamos e, por um
instante, sinto que ainda existe esperança. Sem mais pestanejar, acabo sucumbindo.
Acordo sobressaltada com um barulho incessante na porta. A chuva cai
incessantemente do lado de fora. Olho para o criado-mudo onde estão os vários
remédios que fazem parte de minha vida. Maldito sonho.
Caminho até a porta de mau grado. Abro e não vejo ninguém, escuto apenas o
barulho do vento que sussurra: - Ainda há tempo.
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